VISUALIZAÇÕES

domingo, 16 de agosto de 2009

MAIS UMA TRADUÇÃO DE PEDRO VIANNA

LA CACHE DE L'AMOUR IV


Te visiter de nouveau

Avec mes yeux de quête,


Et trouver dans l'île de ton rire


Le calme que je ne désire pas :


Contretemps et gâchis de douceur.


Aucun silence ne suffit

À faire taire mon étonnement.


(Ton chant est un opéra que je ne veux pas entendre)


De toi, je ne veux ni ta parole

Ni ton âme usée.


Nívia Maria Vasconcellos in Escondedouro do Amor & Outros Versos sob a Espera* Edições CDL, Feira de Santana (État de Bahia - Brésil), 2008

© Nívea Maria Vasconcellos et Pedro Vianna pour la traduction en français


Confiram em http://poesiepourtous.free.fr/poesiepourtous/poesiepourtous/pomoi04o.htm


EM PORTUGUÊS:


ESCONDEDOURO DO AMOR IV


Visitar-te de novo

Com estes meus olhos de procura,


E achar na ilha do teu riso

A calma que não desejo :


Contratempo e desperdício de doçura.


Para calar o meu espanto,

Nenhum silêncio basta.


(Teu canto é ópera que não quero ouvir)


De ti, não quero a palavra

Nem a alma gasta.

NUM TRAJETO QUALQUER


A chuva apressava os passos daqueles que queriam abrigo, os ônibus eram o destino da maioria desses pés ligeiros. Molhados, munidos de pastas e guarda-chuvas passageiros se espremiam à porta do transporte, o qual, pelo ronco do motor, ameaçava romper o asfalto. Empurrões, cotoveladas e o ônibus ia lotando à medida que todos se acomodavam sentados ou em pé numa rotina humilhante que por ser rotina deixou de ser... humilhante ou, pelo menos, não era percebida assim. Acostuma-se a tudo, o homem, penso com piedade e desdém.

Nem as sinuosas curvas faziam esse “passeio” emocionante... gritos já eram previstos e cansaços eram sentidos por cada corpo que, lançado de um lado ao outro, parecia não ter vontade própria... não, realmente, não tinham vontade própria nenhum daqueles que habitavam tal condução. E as janelas do ônibus apresentavam paisagens já vistas, um panorama já memorizado por todos que, há muito, já lhe eram indiferentes.

A casa tal, a loja tal, a rua tal, o bairro tal... tal era a repetição de imagens que a monotonia tomava conta de todo o veículo. Invariabilidade, constância que para os passageiros eram tédios cotidianos. Nem freios bruscos, aos quais, de alguma forma, seu corpo já havia se habituado, eram capazes de transgredir esse enfado. Até as batidas não assustavam mais a ninguém, faziam parte da normalidade das coisas. Atemorizar-se com isso... besteira!

Todas espécies de gentes que no ônibus estavam eram como uma só: condensada, comprimida. Descer dele era um eterno ultrapassar de obstáculos humanos, expor-se, destacar-se da massa homogeinizada, bradar pelo seu ponto o qual nem sempre era respeitado. A chuva cessou, menos no ônibus que parecia um mar de águas acumuladas. Lamas e pés confundiam-se. Não dava para separar o que era suor do que eram resquícios da chuva. Agonia, tormento, exaustão. O dia continuava a acabar no tempo perdido dentro daquele ônibus. Ninguém vive 24 horas por dia, muito menos os que se vêem obrigados a tomar lotações.

Olhares se estendiam para além das vidraças, encarnavam nos carros que um dia vislumbravam possuir. Cobiça, inveja... simples desejo, compreensível desejo. Semanas e meses se passavam nessa continua uniformidade. Chateação de viver como não se quer. Motoristas e cobradores eram máquinas teimosas de ações repetitivas, automáticas, inumanas... eles, mais que todos, sabiam o significado da palavra fadiga. A dor que sentiam nas costas virara um hábito, quando não doíam geravam surpresa, espanto, admiração. E ao descer do ônibus pareciam permanecer no ônibus.

... O costume é mais forte que o homem.

domingo, 9 de agosto de 2009

MARIANA


Desapareceu Mariana... até desaparecer a própria lembrança de Mariana. E os Domingos sem ela, eram Domingos simplesmente. A sua ausência, em princípio, não ocasionara estranheza, viria no próximo com certeza. Depois, fez suscitar algumas perguntas em vão: Mariana nunca mais veio, cadê Mariana? Indagação vaga para ninguém, que ninguém respondia. Ela sumiu como o primeiro dia de sua visita, de repente. O seu sumiço a fez parecer parte de um passado distante, tão alheio: alguém de quem se ouviu falar, e não alguém com quem se conviveu. Lenda, invenção, história contada para entreter crianças, ilusão coletiva. Não se tinha nenhuma comprovação de suas inspeções, uma foto, uma fita... a falta de provas tornava a sua existência apócrifa e colaborava com o mistério do seu aparecimento abrupto e desaparecimento repentino.


A tarde mal dava seus últimos suspiros, e lá estava Mariana, ao portão, baixinha, encolhida, mas presente, com gestos de quem quer entrar. Dona Mariana chegou!!!! Abre o portão para D. Mariana!!!!!!!! Essa responsabilidade sempre era delegada ao outro: Abre você!!! Abre você!!! Não parecia constrangida por causa disso, insistia no seu pedido silencioso para entrar até que tinha o seu dominical desejo cumprido. Não era apenas crueldade daqueles que hesitavam em abrir o portão, era preguiça mesmo, vontade de não levantar, de não possuir sua vida invadida por uma estranha para quem eles não eram estranhos. Espantosa essa sensação de ser conhecido sem conhecer...


Fazia, sem querer, parte desse estranhamento. Eu era um dos que não levantavam. Minha mãe, a salvadora da família, disposta e receptiva, encarregada de esconder nossa inércia, saía da cozinha para fazer entrar aquela que tinha por único desejo ou promessa ou sina ou fado ou destino mesmo... observar a nossa casa, introduzir-se nela, investigar-lhe cada aposento, espreitar cada uma de nossas ações e, é claro, participar da nossa dominical janta com a televisão gritando ao fundo. Não que ela só fosse a nossa casa, ela visitava outras, meus vizinhos eram também constantemente visitados, esses Domingos, para ela, eram todos uma eterna peregrinação.


Quando nasci, as visitas de D. Mariana já existiam. Quando dei por mim e percebi que aquela imagem que o espelho refletia quando eu o olhava era eu, quando tive consciência de mim, antes! já tinha tido consciência daquela que se fazia presente no seio da minha família. No momento em que já podia andar e entender, fiz questão de não visitá-la, mas de lhe ver a casa. Era próxima a minha; pequenina e encolhida como a dona. Meio abandonada como a dona. Parecia vazia e deteriorada, a casa, não a dona. Mariana apresentava vida nos seus passos calmos e constantes, em suas mãos meio trêmulas e seguras. Seu olhar incompleto repousava sobre cada um. Seu único olho lhe valia, era astuto, esperto, sempre atento, bastava-lhe. Isso lhe oferecia mais mistério e impunha sobre mim uma certa autoridade, procurava nunca encará-la, parecia com um correr risco de não sei o quê. Sempre a olhava de canto... (sempre a percebia a olhar-me de frente). Não lhe tinha simpatia, tinha-lhe respeito. Não sabia se ela gostava de mim, não entenderia o seu gostar. E as visitas se sucediam numa reincidente incógnita. Complicada essa coisa de observar o outro.


De alguma forma, o seu hábito se transformou em nosso hábito que, como todo costume ou vício, prescinde quaisquer explicações. Assim, Domingos sobrevinham e a minha infância era ultrapassada pela inocência que se corrompia e Dona Mariana lá... presenciando todo o meu viver e o dos que me eram próximos como alguém que sabe e não diz... conhece, mas se cala. Não parou por aí, contemplou também a minha adolescência intransigente. Era conhecedora dos caminhos pelos quais já havia passado e dos que pretendia atravessar. Incômodo isso. In-cô-mo-do! Nunca me acostumara... consentia sem concordar... não podia lutar contra a sua mania, e minha família, sem perceber, já fazia parte dela. Distanciava-me cada vez mais de minha casa e Mariana, não! Sempre, ao chegar, olha Dona Mariana ao portão, na rede, à porta, à janela, à... Ela é que agora abria o portão para mim, mas... sem se opor... e iniciava o interrogatório. Maldita educação que me fazia respondê-la sem proferir-lhe nenhuma ofensa ou a maior delas: calar-me. E as semanas continuavam a se passar... pensava: quando conhecia Dona Mariana ela já era do mesmo jeito que naquele momento a via. Pensava, angustiada, que ela sempre fora assim: uma senhora idosa... mas... por que eu não continuei assim... uma criança...??? Refletir dói. Essa reflexão me era terrível. Inexplicável. Perscrutá-la era uma inútil ação. Eu inútil diante disso tudo...


... ... ... Dona Mariana morreu. Há mais de um ano. A voz que proferiu tais palavras também incitou as lembranças que estavam sob a custódia do nosso esquecimento de Mariana. O seu sumiço já havia sido para nós uma morte. Mas sabê-la através das certezas dos fatos foi como um atestado de óbito ( existe para comprovar o que já é sabido ). Contudo, não trouxe nenhum abalo à família que, de tanto recebê-la, não averiguou sua desaparição. Os Domingos com a ausência de Mariana aconteciam, e essa ausência, do mesmo modo que a sua vinda, transformou-se em hábito. Sua carne não mais existia e em poucas vezes alguém ameaçava perguntar por ela, respostas não havia. Seus olhos e ouvidos não mais existiam, e pensávamos que estava a vigiar outras casas. Sua voz não mais interrogava, e continuávamos a viver, não só os Domingos, mas todos os dias da semana. Abandonamo-la muito antes de ela ter nos abandonado e a notícia do seu falecimento revelou a maldade daqueles dos quais eu fazia parte... ... ...


(VASCONCELLOS, Nívia Maria. ... para não suicidar. Feira de Santana: Littera, 2006).


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

I ENCONTRO DE LITERATURA DA UEFS


Euzinha, Ângela Vilma, Mônica Menezes, Renata Belmonte e Eliana Mara, escritoras que formaram a mesa: Confissão e ficção na literatura contemporânea


Euzinha e Ena com suas camisetas artísticas no I Encontro de Literatura da UEFS

Confira: www.enacamisetas.blogspot.com