
Pensava em se tatuar um dia. Pensava nisso há anos, pensava... sentia que seu estilo, seu tipo, seus gostos, tudo em si pedia uma marca, uma tatuagem. Mas a dor, os riscos, o medo. Desistia sempre antes mesmo de se decidir, não se permitia concretizar seu desejo. Antes, não tinha dinheiro; depois, não tinha desenho; faltava-lhe mesmo é coragem. Ia a estúdios, fazia orçamentos, ficava imaginando como se sentiria mais “ela” se tivesse a desejada “tatu”. Mas os meses, ou melhor, os anos de uma epiderme sem a querida marca se somavam. A pele de Amy Winehouse causava-lhe espanto e inveja. Via meninas pela rua cheias de tatus e as achava tão pueris para tê-las... moda, só podia ser por moda. Ela não, sentia-se preparada. No ponto. Não era uma decisão induzida, não seguia tendências que tanto odiava, uma tatuagem para ela era tão necessária para que ela fosse o que era, para comunicar isso. Mas não a tinha. Talvez fosse a voz da mãe que, desde sua infância, falava sem parar: Isso é coisa de ladrão, de gente que não presta, de mulher da vida, de maconheiro, de drogado, de gente que não presta mesmo... Quiçá, o medo de sua mãe pensar que ela fizesse parte dessa lista famigerada tolhesse sua vontade, inibisse sua realização. Não era completa sem a tatuagem, sabia que seu corpo era o lugar perfeito para uma “tatu”. Sofria com aquela ausência.
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Mas, mas... ... Mas a tatuagem não vinha... e não veio...
Uma adolescência sem tatuagem, uma juventude sem tatuagem... Hoje, pensa que seu corpo já não merece ostentar uma marca tão forte: perdeu seu estilo, seu tipo, mudou seus gostos. Seria ridículo – pensa às vezes – ainda que aquela vontade, apesar de abafada, exista. Culpa das palavras maternas? Para não ser o que a mãe não queria, passou a ser o que não era? Só conseguiu ser igual. Sem nada no corpo que a identificasse ou revelasse, a não ser uma indesejada cicatriz de um acidente antigo, tatuagem é apenas uma linda e lírica música que ela soveja sempre quando triste...
Nívia Maria Vasconcellos
12 comentários:
"Para não ser o que a mãe não queria, passou a ser o que não era?" É, às vezes, ocultamos as marcas que nos revelam para não "desagradar" o outro. Chato isso, mas acontece. Belo texto. Abraço.
Oi, Nívia,
Obrigada pela visita. Adorei seu texto, jamais tive coragem de fazer uma tatuagem. Acho que é o medo do definitivo, daquilo que não posso apagar e ignorar...
Estaremos juntas em agosto, né?
Acho que será bem legal!
Beijos,
Renata
lírico,Nívia Maria...tão simples e por isso tão lindo.Sua escrita flui com leveza, é bom ficar presa nessa teia que nos leva para um fim belo, suave, mas arrebatador.
Sim, sim Renata, esse é o principal motivo de eu ainda não tê-las feito: "o medo do definitivo"...
Agosto que nos espere com ou sem tatuagens...
Abraços.
Olha só... aguardo cenas do próximo capítulo...
Muito bom, mana. Pra variar :P
Bonito!!!
Belo conto.
Que tal fazer uma mesmo hen? Se tá com vontade faça...não fique com receios do que os outros possam falar, depois acostumam.Cadê sua coragem, seu estilo,sua vontade? Faça uma BORBOLETINHA...Nunca perca sua identidade.
O texto é leve,interessante e envolvente, acho que essa tal tatuagem já tentou pousar em muita gente...
E quem sabe um dia?!
Ao contrário de Nívia e Renata não tenho medo do definitivo, apenas do efêmero. Saudações.
Muito bom texto Nívia. Como em todos os seus contos você consegui penetrar no mundo interior das personagens de uma forma que chega a misturar os mundos dos leitores com os das suas cria. Gostei desse em especial por conviver com esse dilema da tatuagem há algum tempo já. E confesso que esse conto esta pesando na minha dicisão... parabéns!
A impressão, uma metáfora do que é realmente o definitivo, talvez as questões levantadas no decorrer do teu texto tenham sido salutares para que o fato descrito tenha desaguado num lindo escrito.
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