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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Carta sobre meu pai morto


Perdemos muitas coisas cotidianamente, chaves estão entre as perdas prediletas. É como se a vida fosse em si a arte de perder, pois basta estarmos vivendo para que as perdas se acumulem e, em certos casos, até transbordem. Perdemos isso e aquilo e seguimos, realizando mais conquistas que, um dia, inelutavelmente, transformar-se-ão em uma nova perda acumulada. Eu mesma sou expert em perder: horário de ônibus, lápis, canetas, até livros estão entre os perdidos prediletos. Mas, há exato um ano, percebi que perder não é tão simples assim, principalmente quando se perde o insubstituível. Não gostava de ir em dia de finados ao cemitério “visitar” meus avós. Isso me remetia sempre à possibilidade de que um dia poderia estar ali visitando meus pais, o que me desesperava: pais tinham que ser para sempre, pensava com minha inocência quase infantil. Neste último dia 02 de novembro, lá estava eu e os meus em frente ao túmulo de meu pai. Inacreditável. Um carro, um traumatismo e a morte levaram o marido de minha mãe, o avó de minha sobrinha, o tio de meus primos, o amigo de todos, o pai de meus irmãos... o meu pai para longe do nosso alcance. Há exatos 12 meses, seu cabelo grisalho, sua voz encantadora, seus versos de cordelista, sua presença sempre solidária e carinhosa deixaram de nos ser companhia. 365 dias passei olhando para o portão, esperando a sua volta. Ouvi o seu arrastar de sandálias, senti sua presença, confundi, várias vezes, rostos de outros que com ele pareciam. Um dia quase abraço um senhor, mas lembrei em tempo: meu pai morreu. Fiquei triste, ficamos todos tristes com certeza. Ele, que tantas vezes me doou tempo e carinho, não está mais aqui. Vou continuar esperando a batida dele ao portão e correrei para abri-lo. Mesmo que saiba que isso jamais vai acontecer de novo, esperar sua chegada já é bom demais, é senti-lo ainda vivo em meu dia. Simplicidade, amizade e generosidade tudo isso seu Antonio da Silva deixou para nós. Todos um dia terão que fazer a irreversível viagem. No dia 17 de novembro de 2009, foi a vez dele. Para nós, terrenos e imperfeitos, uma dor, uma perda; para ele, o momento de encontrar a paz que merecia.

 Nívia Maria Vasconcellos