VISUALIZAÇÕES

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

To be or not to be: that's the question





Acabo de comer um pedaço imenso de mamão. O que isso tem a ver com você? Bom... talvez, nada. Mas para mim é uma reflexão sobremaneira importante. Seu valor nutritivo e seu poder medicinal agora me possuem, ou melhor, são por mim possuídos. Meu organismo é outro. Neste momento em que “dialogo” com você, caro leitor, as substâncias do fruto do mamoeiro estão sendo disseminadas pelo meu corpo. Antes disso, sua doçura e maciez acariciaram meu palato. Não sinto, mas sei que seus nutrientes se espalham por mim. É tão banal, pela repetição do ato; tão inacreditável, pela invisibilidade de sua ação, que vacilo sobre a importância deste pensamento. Meu corpo era outro antes de o mamão fazer parte dele. E foi um bom bocado. Sou neste instante a síntese de mim mais o mamão. Cálcio, Fósforo, Ferro, Sódio e Potássio: seus minerais me conquistam. E, além de tudo, é pouco calórico. Se foi um papaia? Que importa? Mas estava sim muito saboroso. Até seu sabor me é. Não foi qualquer outro alimento que me despertou tais cogitações. Foi o mamão. Se somos, realmente, o que comemos, neste momento, sinto-me apenas um mamão... acho que o formosa.

Nívia Maria Vasconcellos

domingo, 2 de janeiro de 2011

Id Est






Sentada. Na cama. Pés no chão. Meias, pijama, lençol. A mão esquerda segurava um papel ainda pálido. A outra empunhava uma esferográfica louca para ser funcional. As paredes brancas do quarto preenchiam espaços. O sono a atingia paulatinamente. Travesseiro à vista, mas, diante da sua resistência, permanecia: coluna ereta, punho erguido, cabeça em pensamentos que não queriam se fazer palavras. Não sabia mais escrever o que sentia. As palavras confundiam-se, conjunções nada articulavam e o que ela sentia permanecia apenas dela, particular, hermético, indecifrável. A ponta da língua pesava de tantas palavras quase lembradas. À sua frente um espelho se mostrava. Grande em largura e comprimento. Naquele momento, para ela, em profundidade também. Havaianas, cômoda, guarda-roupas... tudo a olhava. Um frio a incomodou apesar de gostar do inverno. Olhou para o criado-mudo, sobre ele colocou o papel. Abria e fechava a gaveta reincidentemente, guardou nela a caneta. Deitou na cama. Mais uma noite sem paixões nem inspiração a tomara. Quiçá, amanhã. Quem sabe depois... ... ...