VISUALIZAÇÕES

terça-feira, 13 de outubro de 2009

MEMÓRIA DE UM LUGAR ANTIGO

Perdia-me sempre no branco que a parede comunicava. Lá era meu lugarzinho de todo o dia. Na casa de meus pais, o quartinho era meu vasto mundo; e eu, sua única habitante assustada. As árvores foram desaparecendo à medida que mais um cômodo surgia. No lugar da cana-de-açúcar, uma copa se erguia. A formosa e frutífera amendoeira foi ao chão para salvar o telhado que avançava. Para a festa de debutante de minhas irmãs, mais árvores sumiram ao amanhecer. Minha casa, assim, se é eu posso chamá-la de “minha”, ia ficando cada vez mais concreta, cada vez mais concreto e tijolos e divisões. A cada parede erguida, mais separações. Sempre gostei de paredes... Não quis festa nos meus quinze anos, preferi uma bicicleta. Sua velocidade me tornava invisível e ela me levava para lugares nunca antes por mim visitados, permitia-me experimentar a liberdade, a queda. Ao voltar de minhas aventuras, voltava às paredes, ao branco que me hipnotizava. Era só. Casa cheia, família, parentes, agregados, vizinhos com um quê de hospedes... não parecia com nenhum deles; por mais variados que fossem, com nenhum deles me identificava. Restava-me eu, eu só... só eu e meu quartinho improvisado. Certa vez, desenhei na parede e datei. Isso foi a marca de uma de minhas maiores subversões. Ainda está lá essa prova de meu passado. No quintal, não terra, cimento, e mais um churrasco se acumula. Aumentaram também o número de grades, a sua grossura e seu poder. Antes de tê-las, eram desnecessárias... dormíamos em tranqüilidade. Depois delas, sempre há quem confira, pelo menos, mil vezes se estão devidamente fechadas, trancadas, inacessíveis. Precisamos proteger o patrimônio e nossas vidas. É o que me diziam... Preferia a casa com muro baixo... grades finas que apresentavam seu interior: eram mais enfeites do que prisões. Muitos dizem que preferem a paz de antes. Não sei, paz? Eu e meus pensamentos. Mas, das paredes... delas... eu sempre gostei...

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