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domingo, 7 de março de 2010

A indefinibilidade da Arte ou a Arte sempre passa a perna


Ferreira Gullar, conhecido poeta maranhense, em seu também famoso poema Traduzir-se, pergunta-nos se: “traduzir uma parte na outra parte [...] será arte?”. Pressupomos que ele, enquanto artista, soubesse a resposta, no entanto, em seus versos, ele repassa ao seu leitor essa indagação que, há milênios, jamais conseguiu ser respondida. Muitos foram os que se incumbiram da responsabilidade de definir o que é Arte, nenhum deles, entretanto, logrou um sucesso absoluto diante dessa empresa.

Com certeza, a Arte não é tão somente substantivo feminino. À procura de uma resposta plausível para sua existência e função, vários pensadores como Platão, Aristóteles, Vico, Freud, Marx e muitos artistas como Hoelderlin, Shelley, Fernando Pessoa, em diferentes épocas e lugares, dedicaram seu tempo e inteligência a essa investigação infindável. Mesmo empenhados nessa empreitada, não conseguiram chegar a definições irrefutáveis: não há uma postura que seja consensual. Todas as tentativas, de alguma forma, mostraram-se lacunares, imprecisas e representaram mais um reflexo dos pensamentos preponderantes em uma determinada época ou uma refutação deles do que necessariamente uma definição que solucionasse esse problema estético.

Enquanto para Platão a reminiscência se apresenta como processo criador da Arte, a qual deve ter uma finalidade didática e é inferior até mesmo ao artesanato por ser apenas uma imitação de segundo grau do Mundo Ideal; para Aristóteles, autor da Poética, a Arte tem um poder criador de formas e uma finalidade catártica. Vale lembrar que Aristóteles estudou na Academia de Platão e chegou a ser seu discípulo. Se entre filósofos tão próximos entre si há uma divergência de ideias sobre a Arte, entre outros estudiosos do assunto os desacordos só se intensificam.

Na concepção cristã, a Arte é uma imitação da atividade divina, como bem afiança Santo Agostinho. Vico concebe a Arte como expressão, negando o conceito da Arte enquanto mimese. Na visão kantiana, ela é fruto do sentimento e expressa o universal no particular. Já Marx, em seu Materialismo Histórico, a vê como parte da superestrutura, determinada pelas forças e meios de produção, ou seja, simples reflexo da infraestrutura. Numa visão psicanalítica, Freud afirma ser a Arte a sublimação do instinto sexual. E vários são os que, influenciados por ideias de Benedetto Croce, acreditam ser a Arte autônoma. Não subjugada à filosofia ou à moral, ela seria produto da impressão dos artistas.

Seja como uma técnica ou como uma manifestação de ordem estética, a Arte acompanha a sociedade humana e se modifica tanto quanto os conceitos que a perseguem. Firmar uma definição sobre ela e impô-la como verdade absoluta a depreciaria e faria com que ela se quedasse estanque sem acompanhar a sua própria dinamicidade. O caráter mágico das pinturas rupestres, didático dos templos greco-romanos, catártico das tragédias de Sófocles, religioso das esculturas de Aleijadinho, sublimador de pulsões sexuais dos quadros de Jheronymus Bosch, expressivo do abstratismo de Pollock ratificam ao mesmo tempo em que contestam várias das concepções aqui elencadas. 

O que é inegável é que o problema estético quanto mais é investigado mais suscita indagações. Uma delas é justamente sobre a real importância de resolvê-lo. O homem se reinventa e reinventa a própria Arte que elabora. Por mais que se vá a seu encalço, ela nos escapa e não se deixa sintetizar, mostrando-se tão rica e plural quanto aquele que a concebe. Dessa forma, como disse Fernando Pessoa: “A busca é sempre vã”. Mas, apesar de vã, essa busca se faz tão interessante e produtiva para o desenvolvimento do homem quanto à própria Arte.

* Foto de Jessé de Almeida Primo: Nívia Maria Vasconcellos na Livraria Cultura em SP.

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