VISUALIZAÇÕES

domingo, 27 de março de 2011

Solitas


O céu amanheceu escuro...
Até certos trovões foram ouvidos
Com um espanto quase infantil.

Procurei, debalde, a meu lado,
A presença que não estava,
Que eu sabia não estar.

Aqui, junto a mim,
Só a miragem e um tanto
De saudade... e pronto.

Mas essa saudade é um lugar:
O lugar onde eu te encontro.

De Nívia Maria Vasconcellos para o site http://www.paginasonora.com.br/

quinta-feira, 3 de março de 2011

OUTROS VERSOS SOB A ESPERA



O tempo levou minha crença,
Levou minha fé,
Levou as lembranças que habitavam minha sala
E levou as horas da minha esperança.

O tempo, insistentemente,  
Levou-me o livro que a estante  
De meu ser guardava com cautela e medo,
Esse tempo levou-me até o medo,
E outros sentimentos que me tornavam humana.

O tempo levou o meu equilíbrio
E a harmonia dos meus ornamentos,
Levou os meus segredos
E o resto do sorriso que meus lábios ensaiavam dar.

O tempo levou minhas poesias,
Minhas leituras,
Levou minha atenção,
O meu poder de chorar;
Levou até mesmo a minha nudez.

O tempo (Este tempo!)
Levou-me... A tua volta,
A lágrima e a existência.

Nívia Maria Vasoncellos


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

To be or not to be: that's the question





Acabo de comer um pedaço imenso de mamão. O que isso tem a ver com você? Bom... talvez, nada. Mas para mim é uma reflexão sobremaneira importante. Seu valor nutritivo e seu poder medicinal agora me possuem, ou melhor, são por mim possuídos. Meu organismo é outro. Neste momento em que “dialogo” com você, caro leitor, as substâncias do fruto do mamoeiro estão sendo disseminadas pelo meu corpo. Antes disso, sua doçura e maciez acariciaram meu palato. Não sinto, mas sei que seus nutrientes se espalham por mim. É tão banal, pela repetição do ato; tão inacreditável, pela invisibilidade de sua ação, que vacilo sobre a importância deste pensamento. Meu corpo era outro antes de o mamão fazer parte dele. E foi um bom bocado. Sou neste instante a síntese de mim mais o mamão. Cálcio, Fósforo, Ferro, Sódio e Potássio: seus minerais me conquistam. E, além de tudo, é pouco calórico. Se foi um papaia? Que importa? Mas estava sim muito saboroso. Até seu sabor me é. Não foi qualquer outro alimento que me despertou tais cogitações. Foi o mamão. Se somos, realmente, o que comemos, neste momento, sinto-me apenas um mamão... acho que o formosa.

Nívia Maria Vasconcellos

domingo, 2 de janeiro de 2011

Id Est






Sentada. Na cama. Pés no chão. Meias, pijama, lençol. A mão esquerda segurava um papel ainda pálido. A outra empunhava uma esferográfica louca para ser funcional. As paredes brancas do quarto preenchiam espaços. O sono a atingia paulatinamente. Travesseiro à vista, mas, diante da sua resistência, permanecia: coluna ereta, punho erguido, cabeça em pensamentos que não queriam se fazer palavras. Não sabia mais escrever o que sentia. As palavras confundiam-se, conjunções nada articulavam e o que ela sentia permanecia apenas dela, particular, hermético, indecifrável. A ponta da língua pesava de tantas palavras quase lembradas. À sua frente um espelho se mostrava. Grande em largura e comprimento. Naquele momento, para ela, em profundidade também. Havaianas, cômoda, guarda-roupas... tudo a olhava. Um frio a incomodou apesar de gostar do inverno. Olhou para o criado-mudo, sobre ele colocou o papel. Abria e fechava a gaveta reincidentemente, guardou nela a caneta. Deitou na cama. Mais uma noite sem paixões nem inspiração a tomara. Quiçá, amanhã. Quem sabe depois... ... ...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Carta sobre meu pai morto


Perdemos muitas coisas cotidianamente, chaves estão entre as perdas prediletas. É como se a vida fosse em si a arte de perder, pois basta estarmos vivendo para que as perdas se acumulem e, em certos casos, até transbordem. Perdemos isso e aquilo e seguimos, realizando mais conquistas que, um dia, inelutavelmente, transformar-se-ão em uma nova perda acumulada. Eu mesma sou expert em perder: horário de ônibus, lápis, canetas, até livros estão entre os perdidos prediletos. Mas, há exato um ano, percebi que perder não é tão simples assim, principalmente quando se perde o insubstituível. Não gostava de ir em dia de finados ao cemitério “visitar” meus avós. Isso me remetia sempre à possibilidade de que um dia poderia estar ali visitando meus pais, o que me desesperava: pais tinham que ser para sempre, pensava com minha inocência quase infantil. Neste último dia 02 de novembro, lá estava eu e os meus em frente ao túmulo de meu pai. Inacreditável. Um carro, um traumatismo e a morte levaram o marido de minha mãe, o avó de minha sobrinha, o tio de meus primos, o amigo de todos, o pai de meus irmãos... o meu pai para longe do nosso alcance. Há exatos 12 meses, seu cabelo grisalho, sua voz encantadora, seus versos de cordelista, sua presença sempre solidária e carinhosa deixaram de nos ser companhia. 365 dias passei olhando para o portão, esperando a sua volta. Ouvi o seu arrastar de sandálias, senti sua presença, confundi, várias vezes, rostos de outros que com ele pareciam. Um dia quase abraço um senhor, mas lembrei em tempo: meu pai morreu. Fiquei triste, ficamos todos tristes com certeza. Ele, que tantas vezes me doou tempo e carinho, não está mais aqui. Vou continuar esperando a batida dele ao portão e correrei para abri-lo. Mesmo que saiba que isso jamais vai acontecer de novo, esperar sua chegada já é bom demais, é senti-lo ainda vivo em meu dia. Simplicidade, amizade e generosidade tudo isso seu Antonio da Silva deixou para nós. Todos um dia terão que fazer a irreversível viagem. No dia 17 de novembro de 2009, foi a vez dele. Para nós, terrenos e imperfeitos, uma dor, uma perda; para ele, o momento de encontrar a paz que merecia.

 Nívia Maria Vasconcellos

domingo, 31 de outubro de 2010

VIVE ILDÁSIO TAVARES

GLOSA



[...]

"Nós somos vida das gentes
E morte de nossas vidas. . ."
Mas em cores diferentes
As danças serão corridas
Não pensem os poderosos
Que as almas nos têm vencidas
Somos muitos e teimosos
Nossas cabeças erguidas
Sob o fardo dos milênios
Marcham tenções decididas,
Várias faces, vários gênios,
todos faces retorcidas, —
Nós teremos a chegança
Será nossa a esperança,
Nós teremos nossas vidas.

No dia 31 de outubro de 1902, nasceu um dos maiores poetas brasileiros: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE. Hoje, mais de cem anos depois, 31 de outubro de 2010, morre outro grande poeta brasileiro: ILDÁSIO TAVARES. Mas ele, como todos os grandes poetas, VIVE!!!!


PARA LER O POEMA NA ÍNTEGRA: http://www.revista.agulha.nom.br/il3.html#glosa

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Sophia de Mello Breyner Andresen




Meditação do Duque de Gandia
sobre a morte de Isabel de Portugal

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.